Bruxelas exige que a CGD demonstre que o aumento de capital gerará lucro a curto prazo
Bruxelas exige que a CGD demonstre que o aumento de capital gerará lucro a curto prazo
00:05 Maria Teixeira Alves e Lígia Simões
A Direcção Geral da Concorrência (DG Comp) recebeu o pedido do Governo para aumentar o capital da Caixa na sexta-feira e vai analisar. "A Comissão está em contacto com as autoridades portugueses sobre este assunto", disse fonte oficial da Comissária Magrethe Vestager ao Económico. Para não ser considerado ajuda de Estado, o aumento de capital deverá levar a CGD a um ROE positivo.
Paula Nunes
A Direcção Europeia da Concorrência recebeu na passada sexta-feira à noite a informação das autoridades portuguesas sobre o aumento de capital da Caixa Geral de Depósitos (CGD), soube o Económico junto de fonte familiarizada com o assunto.
A DG Comp vai agora analisar detalhadamente o pedido enviado, juntamente com a respectiva argumentação. Questionado, um porta-voz da DG-Comp disse que "a Comissão está em contacto com as autoridades portugueses sobre este assunto".
Tem-se falado num aumento de capital de quatro mil milhões de euros (avançado em primeira-mão pelo "Observador"), mas não há, ainda, confirmação oficial desse montante. Este valor, que impressiona pela dimensão, justifica-se em grande parte pela qualidade da carteira de crédito da Caixa. Pois só o rácio de crédito em risco fixou-se em Março de 2016 em 11,9% da carteira (ainda assim, uma melhoria face ao ano passado). O grau de cobertura do crédito em risco por provisões e imparidades foi de 62,8%, sendo o do crédito a particulares de 46,8% e o do crédito a empresas de 70,3%.
O rácio de crédito vencido é de 8,1% do total de crédito (manteve-se face a Março de 2015). O crédito em incumprimento é de 9,8% (piorou ligeiramente). E as imparidades para crédito, líquidas de reversões, foram 68,176 milhões de euros (menos 4,5% que no mesmo período do ano anterior). Limpar esta carteira de crédito implica muito capital.
"Um Estado pode investir. Não tem de ser necessariamente ajuda de Estado", diz a Comissária
Mas há ainda a factura dos 900 milhões de euros de CoCo's que a CGD recebeu em 2012 e que continua a não ter condições para pagar, tendo a administração cessante admitido que não terá capacidade de o fazer nas circunstâncias actuais, até ao fim da maturidade (Junho de 2017), o que implicará a conversão automática em capital, sem impacto nos fundos próprios.
Segundo fonte governamental, um dos argumentos que António Costa vai apresentar em Bruxelas é que, do total do aumento de capital, serão utilizados 900 milhões para reembolsar os CoCo´s ao Estado, pois custam à instituição anualmente cerca de 85 milhões em juros.
A questão que se põe desde o princípio não é a autorização para a CGD aumentar o capital. É sim o que é exigido em contrapartida para que esse investimento não seja considerado ajuda de Estado, o que obrigaria imediatamente a pesados remédios.
"Como uma questão de princípio, um Estado pode investir. Não tem de ser necessariamente Ajuda de Estado. Se o Estado investir como um investidor privado o faria, bem isso é excelente para nós e, claro, não é ajuda de Estado", disse ontem à TSF Margrethe Vestager.
"Os únicos casos em que temos um papel a desempenhar são, obviamente, quando o dinheiro dos contribuintes é usado de uma forma que não similar à forma como um investidor privado usaria o dinheiro", adiantou.
Segundo fontes em Bruxelas contactadas pelo Económico, é preciso ter em conta "um dos princípios gerais dos auxílios de Estado, o chamado 'market economy investor principle'". O Estado pode investir em capital da CGD se esse investimento for para a instituição gerar um rendimento equivalente àquele que um accionista privado retiraria do mesmo investimento, e nesse caso "não se trata de uma ajuda de Estado".
Ora isto quer dizer que a DG Comp vai exigir do Ministério das Finanças a demonstração que este capital é para criar rentabilidade e não para tapar prejuízos. Ou seja, vai exigir medidas que conduzam a CGD a ter uma Rentabilidade dos capitais próprios (ROE) positiva e em linha com as dos seus pares em Portugal (BCP e BPI). Isto implica que a CGD até ao fim do ano trave os prejuízos que tem registado, idealmente que comece a ter lucros ainda este ano.
Ora isso implica uma forte reestruturação no banco do Estado, em número de trabalhadores; em redução das subsidiárias ao nível internacional e ao nível dos negócios não bancários.
A negociação para aumentar o capital promete ser dura em varias frentes.
O banco terá de negociar com os sindicatos os cortes de pessoal que venha a fazer. O facto de a Caixa passar a ter uma administração com 19 pessoas já está a ser alvo de críticas no mercado. Pois neste momento a Caixa tem 13 administradores e vai aumentar o 'board' numa altura em que vai pedir 4 mil milhões aos contribuintes e em que vai provavelmente ter de cortar o quadro de pessoal. Vai ser difícil justificar um aumento da administração quando se pede sacrifícios a outros stakeholders.
O Estado vai pôr 4 mil milhões, depois de ter recebido nos últimos 2,4 mil milhões de euros, é mais de metade da linha que no tempo de resgate a troika destinou aos bancos.
António Domingues deverá entrar na CGD com a sua equipa em Julho. Leonor Beleza, que vai para administradora não executiva, não vai receber qualquer salário, o que é visto de duas formas: como uma vantagem, pois é menos um custo para o banco, e como uma desvantagem, uma vez que os administradores não executivos não são meros consultores, têm um papel fiscalizador e nalguns casos mesmo decisor. Ora a não remuneração desresponsabiliza o gestor.
A administração não executiva terá ainda Rui Vilar e Pedro Norton. Dos administradores executivos apenas se conhece, sem confirmação, o nome do ainda presidente António Domingues e Emídio Pinheiro (presidente do BFA).
Caixa, na dívida ou no défice?
A questão do Governo com a CGD passa ainda pela forma como será contabilizado nas contas públicas o aumento de capital da Caixa. Se será considerado investimento de capital e vai à dívida, se despesa do Estado e vai ao défice.
"Em rigor este tipo de operações – investimento em Activos Financeiros – não devem contar para o défice propriamente dito, mas contam para as “Necessidades Líquidas de Financiamento das Administrações Públicas. Pois não é uma despesa, mas sim uma troca de dinheiro por acções”, disse um economista contactado pelo Económico, que preferiu não ser identificado.
João Duque por sua vez, quando questionado pelo Económico, sobre se pode a CGD fazer um aumento de capital sem ir ao défice? Respondeu que “a avaliar pelo caso Banif, provavelmente não. Mas que caberia sempre a última palavra à Comissão Europeia”, disse acrescentando que o melhor “é contar para o défice”.
Álvaro Santos Pereira, o director dos estudos nacionais no Departamento de Economia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), disse que “As nossas previsões são que, tendo em conta um crescimento de 1,1%, 1,2% para este ano, estamos a falar de um défice a rondar 2,9% mais ou menos este ano. Se obviamente houver uma recapitalização dos bancos, nomeadamente a Caixa Geral de Depósitos, o défice será certamente acima dos 3%”.