Suspense na recompra de dívida do Novo Banco
Elisabete Tavares 26.08.2017 / 09:00
António Ramalho, presidente executivo do Novo Banco, aposta o tudo ou nada na oferta de recompra de dívida
Está tudo em aberto na proposta de reembolso de dívida sénior do Novo Banco. Contrastando com o otimismo de António Ramalho, presidente executivo do Novo Banco, os analistas não põem as mãos no fogo pelo sucesso da operação.
Pelo contrário, admitem todos os cenários, do melhor ao pior. Admitem até o cenário de aplicação de medidas de resolução ao Novo Banco caso a oferta em curso não tenha sucesso.
A proposta do Novo Banco envolve o reembolso antecipado de 36 emissões de obrigações sénior com maturidades entre 2019 e 2052, em troca de cash, oferecendo depósitos com remunerações diversas aos investidores. O objetivo do banco é conseguir poupanças que permitam o reforço do seu capital em 500 milhões de euros.
Para António Ramalho, a oferta de um depósito com remunerações entre 1% e 6,84% aos obrigacionistas abrangidos pela oferta permitirá que estes investidores recuperem a totalidade do valor investido, afirmou em entrevista à Reuters a 18 de agosto.
Analistas e agências de rating não têm certezas quanto ao desfecho da operação. “Há incerteza sobre o resultado da oferta neste momento”, afirmou Maria Rivas, analista principal da DBRS, ao Dinheiro Vivo.
Em todo o caso, se tiver sucesso, “a DBRS antecipa que após a sua conclusão o LME (Liability Management Exercise) será visto como uma troca feita com angústia”. Isto reflete o facto de a DBRS considerar “
que os obrigacionistas estão a ser obrigados a dar o seu consentimento à troca porque a sua não concretização levaria provavelmente à retirada da oferta de compra do banco pela Lone Star”, referiu.
Maria Rivas não é a única a ter dúvidas sobre o desfecho desta oferta.
“É difícil dizer qual será o possível resultado da operação”, afirmou Puja Karia, analista da empresa de análise CrediSights, ao Dinheiro Vivo. “Os obrigacionistas de retalho poderão preferir ter os depósitos em troca das obrigações, especialmente porque teriam a garantia até ao teto de cem mil euros do Fundo de Garantia de Depósitos”, frisou.
“Os investidores institucionais podem não ficar satisfeitos por terem pela frente o que seria efetivamente uma revisão em baixa dos juros e podem não querer ter depósitos”, apontou o mesmo analista. “Em resumo, as respostas são todas muito especulativas.” As 36 sombras do Novo Banco Para ter sucesso, a oferta precisa de reembolsar acima de 75% do montante nominal das obrigações, que abrangem um valor global de 8,3 mil milhões de euros.
Este montante corresponde a cerca de 3000 milhões de euros de passivo contabilístico do banco.
“Parece que os obrigacionistas estão a fazer lobby para, em vez disso, se tornarem acionistas minoritários do Novo Banco, já que tendo uma parte do capital poderiam participar numa melhoria do banco daqui em diante”, afirmou o analista da CreditSights.
Desde o seu nascimento, após a resolução do Banco Espírito Santo, que o Novo Banco mantém com os seus obrigacionistas seniores uma relação de dominador. Aos credores pede-se obediência. Primeiro, foi a transferência de cinco séries de obrigações num total de 2,2 mil milhões de euros do Novo Banco para o banco mau criado para ficar com os ativos tóxicos do BES, decidida pelo Banco de Portugal.
Uma decisão que levou aqueles investidores, que inclui as gigantes Blackrock e Pimco, a processar o Banco de Portugal e o Novo Banco. Agora, os obrigacionistas sénior veem-se obrigados a aceitar uma proposta de reembolso antecipado de títulos considerados como muito seguros. Afinal, não são e os investidores precisam decidir entre receber o reembolso antecipado de dívida, com descontos entre 11% e 90% até à maturidade, ou poder perder todo o investimento.
Para os obrigacionistas do retalho, com valores investidos mais reduzidos do que os dos institucionais, aceitar transformar obrigações em depósitos com determinada taxa de juro pode ser apelativo. Os depósitos até 100 mil euros são garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos; já para os obrigacionistas institucionais é mais uma chicotada que provoca mossa.
Medição de forças O Dinheiro Vivo apurou junto do comité de obrigacionistas, que agrega os grandes investidores institucionais, que aquele reafirma a sua posição de que está disponível para dialogar com o Novo Banco e com o Banco de Portugal para que possam ser alteradas as condições da oferta.
Estes investidores institucionais detêm mais de 30% do montante global abrangido pela oferta. E queixam-se de que não foram ouvidos antes do anúncio da proposta. Além de dizerem que souberam pelos jornais as condições dos depósitos propostos na oferta do Novo Banco, o que consideram que levanta a questões jurídicas relacionadas com acesso a informação privilegiada.
Além disso, a aceitação da proposta, além de envolver perdas, poderá obrigar institucionais a abdicar do direito de ter processos na justiça em relação ao Novo Banco.
A oferta arrancou no dia 25 de julho e a data de encerramento da oferta é 2 de outubro.
Até lá, os obrigacionistas terão de autorizar em assembleia-geral o reembolso antecipado de cada linha. O suspense vai manter-se, numa operação que, se correr bem para o Novo Banco, permitirá a conclusão da sua venda à Lone Star. Se correr mal, pode criar um filme para a banca e para o Governo.
Os vários desfechos Cenário 1:
A oferta de recompra de obrigações tem sucesso O cenário mais simples é o da oferta ter sucesso, com uma adesão do valor nominal acima dos 75% das linhas de obrigações. O Novo Banco consegue neste cenário o impacto positivo pretendido na operação de poupanças de 500 milhões de euros. Para isso, precisa de ter o consentimento de uma maioria de investidores, incluindo os maiores obrigacionistas, os institucionais, que neste momento não demonstram qualquer vontade para aceitar a proposta de reembolso antecipado da dívida.
Alguns analistas recomendaram aos investidores que aceitem esta proposta, pois a sua não concretização poderá levar a um “apocalipse” no Novo Banco.
Para os investidores de retalho ou com títulos com uma maturidade mais curta, compensa aceitar a oferta do Novo Banco. Já conseguiram a maior parte dos juros. Podem ficar com dinheiro ou depósitos com garantia até 100 mil euros pelo Fundo de Garantia Bancária.
Cenário 2: É injetado mais capital no Novo Banco O comprador do Novo Banco, o fundo norte--americano Lone Star, ou o Fundo de Resolução podem decidir “cobrir” a diferença que possa surgir para alcançar os 500 milhões de euros de reforço de capital pretendido.
Mas teria de haver autorizações, nomeadamente da Direção-Geral para a Concorrência e do Banco Central Europeu.
Para Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, o Novo Banco ficaria, deste modo,
uma “instituição mais capitalizada” mas os detentores de obrigações ficariam com títulos menos líquidos. E a apontar para o longo prazo em muitos casos. “Este é o cenário que sustenta o racional de não aceitar a oferta de troca”, frisa.
Para os institucionais, para que fosse conseguida a venda do Novo Banco à Lone Star,
decidiu--se fazê-lo com o sacrifício dos credores sénior. A transformação de credores institucionais em acionistas seria também uma possibilidade.
Cenário 3: Avança-se para a liquidação do banco Se falhar a oferta, e nem a Lone Star nem o
Fundo de Resolução quiserem injetar capital no Novo Banco, ou querendo, não obtendo as necessárias autorizações oficiais, a liquidação do Novo Banco pode ser uma realidade. “É uma possibilidade que não se pode descartar, com todos os efeitos que daí sobrevenham, nomeadamente muito prejudiciais aos detentores de obrigações e, eventualmente, a todo o sistema financeiro nacional”, referiu Filipe Garcia.
A operação de recompra é uma condição para a venda do Novo Banco à Lone Star, anunciada pelo Banco de Portugal a 31 de julho.
O Fundo de Resolução manterá 25% do Novo Banco e poderá ter de fazer novas injeções de capital no banco, se necessárias. No prospeto da oferta é feito o aviso que o sucesso da mesma depende da aceitação atingir os 75% do valor nominal das obrigações (6276 milhões de euros).
Cenário 4: Há uma nova resolução, com perdas elevadas Outro cenário na mesa é a
execução de uma nova resolução, ou a utilização de
uma figura jurídica com efeitos semelhantes, da qual resultaria o bail-in de acionistas e credores seniores. Analistas admitem que seria possível, por exemplo, fazer uma discriminação entre credores sénior, nomeadamente entre os obrigacionistas, que suportariam perdas, e os depositantes, que não seriam afetados. Posteriormente a esta segunda medida de resolução, o banco poderia ser vendido à Lone Star ou aos credores.
Neste cenário, o Fundo de Resolução registaria perdas significativas, assim como os obrigacionistas.
Para a firma de análise de crédito CrediSights, numa resolução, os obrigacionistas sénior poderiam ver o seu investimento desaparecer ou ser transformado em capital, dependendo do plano de resolução, uma hipótese que poderia “ser mais atrativa para alguns obrigacionistas”, consoante as condições.
Suspense na recompra de dívida do Novo Banco
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