O ano de 2016 terminou com um défice público de 2,1% do produto interno bruto (PIB), ou seja, as receitas não chegaram para cobrir todas as despesas (juros incluídos) e a diferença foi de 3,8 mil milhões de euros, que teve de ser tapada com mais endividamento. É uma marca historicamente baixa e Mário Centeno, o ministro das Finanças, fez questão de o sublinhar.
Centeno tem algumas razões para sorrir, pelo menos para já. Segundo o INE, o ano começou com um défice de 3,3% do PIB no primeiro trimestre e foi descendo até terminar com um excedente de 0,1% do PIB (50 milhões de euros, já contando com a monumental despesa com juros). É o primeiro saldo trimestral positivo dos últimos 13 anos, isto é, desde o final de 2003, era Manuela Ferreira Leite ministra das Finanças.
No salão nobre do Terreiro do Paço, o ministro preferiu sempre olhar para o ano como um todo: o défice foi “2,06% do PIB”, “o valor mais baixo da nossa recente história democrática de 42 anos” e inferior à meta definida pela Europa (2,5%).
“É inequívoco que as metas foram alcançadas sem recurso a medidas extraordinárias”, disse o ministro, assegurando que as metas combinadas com a Europa foram “superadas de forma sustentável e duradoura”, deixando assim a certeza de que é desta que o país sai dos défices excessivos (situação em que está desde 2009), passando este ano, em princípio, à vertente preventiva do Pacto de Estabilidade e ficando mais longe das sanções.
“Não há milagres nem habilidades, há um trabalho muito intenso da administração pública”, atirou, em resposta ao deputado social-democrata Duarte Pacheco, o qual sustentou que “a redução é boa” mas o “caminho é errado”.
Direita fez maquilhagem de mil milhões, acusou Centeno
O INE relembrou que o perdão fiscal (PERES) foi importante em 2016, valeu 588 milhões. Mas, horas depois, Centeno defenderia a sua dama. Sem a receita extra do PERES, o défice seria 2,27% do PIB. “As chamadas medidas extraordinárias incluídas no OE inicial somavam 134,9 milhões. Adicionalmente, o PERES teve um impacto não repetível de 391,9 milhões, 0,21% do PIB”, disse o ministro.
Centeno e os seus secretários de Estado pareciam satisfeitos, mas mesmo assim o ministro passou ao ataque. “Em consequência da necessidade de aprimorar o défice de 2015, o anterior governo sobrecarregou a execução orçamental de 2016 com um aumento dos reembolsos fiscais. Dinheiro dos contribuintes cobrado em excesso em 2015.” Pelas suas contas, “são mais de mil milhões de euros de receita que embelezou 2015 à custa da execução orçamental de 2016”.
Segundo o INE, o rácio da dívida do ano passado ficou acima do previsto, totalizando 130,4% do PIB, cerca de 244 mil milhões de euros.
Não falou do prejuízo que os bancos voltaram a infligir ao défice, mas segundo o INE, foram mais 380 milhões em 2016, elevando a fatura dos contribuintes com a crise financeira (desde 2008) para uns impressionantes 12,9 mil milhões de euros. Dava para cobrir quatro défices iguais aos do ano passado. Em todo o caso, aquele custo líquido anual com os bancos é o mais baixo dos últimos dez anos. Só que ainda falta saber como será contabilizada a CGD e que efeitos terá a venda do Novo Banco. Os impactos acontecem em 2017.
Otimismo para 2017
O governo manteve ainda a previsão de défice para este ano em 1,6% do PIB, como está no OE 2017, mas fez saber que o rácio da dívida desce para apenas 128,5% (era 128,3% no OE). Mas sinalizou que as previsões para este ano podem melhorar. “Temos já em 2017 muita informação positiva”, como a retoma da confiança “em todos os setores” e os “máximos históricos nos consumidores”. Por isso, “quer o crescimento quer a meta do défice vão ser incluídos no Programa de Estabilidade e vão ser reavaliados nesse contexto”.
Portugal já cumpre a regra dos 3%, mas Bruxelas tem dúvidas sobre se está a fazer o ajustamento estrutural adequado. A resposta de Centeno foi rápida. O governo quer que a Comissão Europeia aceite mais medidas do que as que parece estar disposta. A lista é longa: “reposição de carreiras dos funcionários públicos”, “redução do peso dos consumos intermédios”, “medidas de estabilização do setor financeiro”. Em maio, Bruxelas responderá.
Talvez por isso, António Costa, apesar de satisfeito com os números, deixou um aviso: “Este é um esforço que não acabou.”
(Dinheiro Vivo)