Portugal vai continuar a ser o país do euro com o maior nível de riqueza hipotecada pelos juros da dívida pelo menos até 2020. Este cenário tem sido constante desde, pelo menos, 2015 e assim continuará nos próximos quatro anos. E por ter os juros mais altos da zona euro, os contribuintes nem sentem que já têm das contas públicas em melhor estado de toda a região – isto se por “melhor estado” considerarmos o saldo primário (sem contar com juros):
as contas portuguesas vão ter excedentes primários e acima de quaisquer outras nos quatro anos até 2020.
Segundo os vários programas de estabilidade 2017-2020 agora entregues à Comissão Europeia (CE), Portugal vai dedicar 4,2% do PIB ao pagamento de juros este ano e 4%, 3,9% e 3,8% respetivamente em 2018, 2019 e 2020. Estes valores
comparam com a média de 1,8% a 1,6% de riqueza hipotecada por juros considerando a zona euro como um todo – incluindo Portugal e excluindo a Grécia, que estando sobre intervenção continua isenta de apresentar programa de estabilidade.
Além da comparação com a média, também na comparação individual com cada país Portugal surge acima de todos, já que, tirando Itália, nenhum outro país paga sequer 3% de juros por ano entre 2017 e 2020 [ver tabela em baixo]. Os italianos apesar de terem uma dívida em função do PIB superior à portuguesa – 132,5% vs. 127,9% em 2017 -, pagarão menos juros este ano e nos seguintes.
Olhando para a evolução prevista pelos transalpinos para o custo da sua dívida, nota-se que só em 2020 é que os contribuintes em Portugal deixam de estar sozinhos na liderança de pagamentos a credores: a despesa com juros italiana vai variar de 3,9% a 3,8%, atingindo este valor no último ano considerado, tanto quanto Portugal no mesmo ano. Em 2021, Lisboa já “só” conta gastar 3,6% do PIB em juros, mas Itália não tem previsões até lá.
Excedentes hipotecados
Apesar de estarmos no campo das finanças públicas e do “macroeconomês”, a questão da dívida e dos juros resume-se a uma expressão bem portuguesa: pescadinha de rabo na boca. A dívida não cai porque os juros são altos e estes são altos porque a dívida não cai. De outra forma: a dívida cresce porque as contas são deficitárias à conta dos juros. Ou seja, sem um nível tão alto de juros, as contas não resultariam em défice – isto num cenário em que o nível de austeridade se mantinha – e a dívida (e os juros) desceriam mais.
É por esta razão que as contas portuguesas, apesar de já apresentarem mais e maiores excedentes primários que as contas de quaisquer outros dos restantes países do euro, não conseguem acelerar a dieta de endividamento. Em 2017, por exemplo, o saldo primário das contas portuguesas deverá resultar em 2,7% do PIB de excedente. Valor que sobe para 3,1%, 3,6% e 4,2% respetivamente entre 2018 e 2020, de acordo com as projeções do Governo apresentadas no plano de estabilidade. Em todo este período, mais nenhum país do euro se aproxima destes valores.
De acordo com os dados avançados pelos países nos seus planos de estabilidade 2017-2020, os saldos primários médios da zona euro variam entre 0,9% e 1,8% nos anos considerados. Também aqui, e mais uma vez, a Itália é o exemplo mais próximo do português: tendo o segundo nível de juros mais alto em toda a zona euro, também os italianos já avançaram com uma dieta – leia-se austeridade – que resultou numa melhoria substancial do saldo primário. Mas tal como no caso português, a melhoria tem sido mais do que dizimada pelos juros. Ou seja: a austeridade em Itália e Portugal tem servido para financiar o elevado nível de pagamento de juros e pouco mais. O mesmo se pode dizer para Espanha – terceira despesa com juros mais alta e com saldos primários entre os mais elevados da região.
Portugal não corta taxa implícita
O Plano de Estabilidade português, num misto de redução de dívida e crescimento do PIB, promete cortar o endividamento de 127,9% do PIB em 2017 para 117,6% em 2020, o que significa que no período a dívida portuguesa continuará a segunda mais elevada da região, ultrapassada apenas pela italiana. Também a redução prometida, de 10,3 pontos, é a segunda maior prevista nos planos dos países do euro, sendo superada pelo corte de 15 pontos prometido pelos cipriotas – também eles alvo da
troika nos anos recentes.
Contudo, e apesar do corte prometido para a dívida, Portugal vai ser um dos três países da moeda única que não vai conseguir melhorar as condições da dívida nos anos considerados, sendo que, entre estes três, é o que já paga mais:
a taxa de juro implícita à dívida este ano é de 3,3%, tanto quanto será em 2020. Ao lado de Lisboa, Berlim – cuja taxa vai subir para 2% – e Roma, que a mantém nos 3%. Neste campo há no entanto um país com uma taxa de juro mais alta que a portuguesa. Os malteses enfrentam uma taxa de 3,6%, que deve cair até 3,4% até 2020.
(DV)